Enquanto nossa matriz energética se basear em usinas térmicas e hidrelétricas, vamos viver o dilema entre ter água ou ter luz.
A crise energética e a crise hídrica são duas margens do mesmo reservatório. Hoje já não dependemos 97% de hidrelétricas para gerar eletricidade, como em 2001, quando sofremos o famoso Apagão, mas ainda precisamos de muita água para acender as luzes do país. Naquela época, a escassez de chuvas e péssimos planejamento energético e gestão dos recursos hídricos obrigaram o Brasil a racionar o consumo emergencialmente e iniciar o que poderia ter sido uma guinada para a eficiência energética e a diversificação da matriz elétrica. Na prática, o que aconteceu foi um tanto diferente.
O legado do apagão foi um programa de eficiência energética que mal passa de um programa de etiquetagem e uma matriz que escolheu as usinas térmicas para poupar os reservatórios e garantir o abastecimento em períodos de seca. Graças a essa mudança, atualmente, 66% da eletricidade vem de hidrelétricas e 30% de termelétricas. O que parece ter passado despercebido é que as térmicas precisam de água para operar. Muita água.
Os números variam de acordo com o combustível utilizado, mas são todos superlativos: algo entre 500 e 2.000 litros de água são consumidos a cada megawatt-hora gerado por termelétricas, o que dá para iluminar uma casa brasileira padrão por 6 meses. Em 2013, geramos 172 mil GWh com usinas térmicas, ou uma vez e meia a eletricidade consumida por todas as residências do país. Derivamos daí um consumo de 151 bilhões de litros de água, o equivalente a quase um terço de toda a água disponível, em 20 de março, nos seis grandes reservatórios que abastecem a Grande São Paulo. É o suficiente para abastecer a capital de São Paulo por 96 dias.
Já passou da hora de priorizarmos: ou escolhemos a água para beber ou eletricidade para ligar a geladeira. Água gelada, nem pensar. Precisamos investir em uma mudança de lógica, que use menos água e libere esse precioso líquido para outros usos mais nobres, como o consumo humano.
E como podemos fazer isso? Num cenário tão extremo, nenhuma solução é simples, muito menos indolor. Mas o Brasil pode passar por essa crise voltando-se para sua vocação natural: o sol e os ventos. Tanto a energia solar fotovoltaica quanto a eólica têm baixíssimo consumo de água, além de serem complementares entre si e gerarem mais energia justamente no período de seca, quando os reservatórios precisam ser poupados. Melhor ainda: são as energias que podem ser entregues mais rápido, com tempo de construção das usinas entre 6 e 18 meses.
Assim como é preciso diversificar as formas de gerar eletricidade, também é necessário olhar para além da oferta e cuidar da demanda de energia: o lado do consumidor. Isso significa investir seriamente em programas de eficiência energética, racionalizando o uso da energia na ponta e reduzindo a pressão sobre o sistema elétrico; estimular a geração distribuída de energia nos telhados de casas e indústrias, com painéis fotovoltaicos que produzem mais eletricidade justamente nos períodos de pico de consumo no início da tarde; e em aquecedores solares para reduzir nossa dependência dos chuveiros elétricos.
Para se ter uma ideia, segundo a ABRAVA (Associação Brasileira de refrigeração, Ar-condicionado, ventilação e aquecimento) o calor gerado em 2013 pelos aquecedores solares instalados no Brasil equivale à geração de 6.363 GWh, eletricidade suficiente para 3,3 milhões de domicílios. A cidade de São Paulo, como referência, possui cerca de 3,6 milhões de residências.
O modelo de planejamento energético baseado em grandes hidrelétricas complementadas por térmicas está falido. O próprio Eduardo Braga, ministro de Minas e Energia, admite que a modernização do setor é urgente. Dada as crises que vivemos, temos a oportunidade de inverter a lógica e diversificar a matriz elétrica para uma menos poluente, sem combustíveis fósseis e com menos consumo de água, com soluções provadas e comprovadas, usando o sol e os ventos – estes sim, recursos renováveis e ilimitados.
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